ANA PERES
Uma placa com os dizeres 'Casa do Poeta Antônio Tavernard. Casarão antigo do século passado' escritos em três idiomas - português, inglês e espanhol - parece o único esforço para manter viva a memória de um dos maiores poetas paraenses de todos os tempos. Por trás dela, a casa de número 585, onde Antônio Tavernard nasceu e viveu a maior parte de sua vida, na Avenida Siqueira Mendes, no Distrito de Icoaraci, em Belém, agoniza em um lento processo de deterioração. Do imóvel, em estilo colonial português, restam apenas escombros. As portas e janelas sucumbiram diante da impiedosa ação do tempo, assim como o telhado, do qual já não resta nenhum vestígio, apenas algumas paredes em ruínas continuam lutando para se manter em pé, em que pese a força do mato e das raízes que se espalham por todo o interior do prédio. Resta saber por quanto tempo ainda vão resistir.
Enquanto a casa, que poderia ser um ícone representativo da vida e obra do poeta, falecido em maio de 1936, em consequência de complicações decorrentes de uma hanseníase, doença incurável no começo do século XX, desmorona, o poder público, que deveria zelar pelo patrimônio arquitetônico da cidade, perde um tempo precioso com questões burocráticas. De acordo com a Secretaria Estadual de Cultura (Secult), o prédio foi cedido, em perfeitas condições, para a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Segup), ainda no governo passado. A Segup, que deveria se responsabilizar pela manutenção do espaço, não fez uso do casarão, que permaneceu fechado, sofrendo com as ações do tempo. 'Estamos conversando, tentando equacionar essa questão, para que a Segup arque com essa recuperação', informou a arquiteta Cláudia Nascimento, do Departamento de Patrimônio Histórico Artístico e Cultural (DPHAC), da Secult. Tavernard, que nasceu em outubro de 1908, em um domingo de Círio de Nazaré, é considerado um ícone da literatura paraense, sendo autor de obras como 'Foi Boto Sinhá', poema musicado por Waldemar Henrique, hino do Clube do Remo e tantos outros poemas, crônicas, contos e textos teatrais que falam de amor, fé e vida na Amazônia. Aliás, a Casa do Poeta, como o prédio é carinhosamente chamado pelos moradores de Icoaraci, fica ao lado de outra grande jóia arquitetônica que também precisa de olhares atentos e cuidadosos: o chalé Tavares Cardoso que abriga atualmente a Biblioteca Pública Municipal Avertano Rocha.
O Tavares Cardoso e a Casa do Poeta são apenas dois dos muitos exemplos de uma história que desmorona aos poucos pelas ruas, travessas e avenidas de Belém. Quem trafega pela Avenida Magalhães Barata, por exemplo, constata diariamente o silencioso processo de deterioração do teatro São Cristóvão, também conhecido como Teatro de Pássaros por ser o único espaço historicamente legitimado para a apresentação do Pássaro Junino, manifestação artística genuinamente paraense. Também se apresentavam por lá grupos de pastorinhas, bumbás e outros integrantes da cultura popular, que, com o abandono do teatro, ficaram privados do espaço que tradicionalmente acolhia esses folguedos. Durante as décadas de 1960 e 1970, o teatro São Cristóvão abrigou ainda muitos membros do movimento estudantil e artistas que lutavam contra o Regime Militar no país.
O antigo casarão, que fica bem em frente ao Parque da Residência, abrigou a sede da extinta União Beneficiente dos Chauffeurs do Pará. O teatro, durante muitos anos, funcionou na parte posterior do prédio, um autrora belíssimo imóvel em estilo 'art déco', do início do século passado, que hoje se encontra completamente abandonado e em péssimas condições de conservação. Além das árvores e trepadeiras que tomaram conta dos vãos e paredes, que ameaçam ruir a qualquer momento, o prédio foi totalmente saqueado de pisos, telhado, forros e ornamentos. Para tentar salvar o prédio a classe artística paraense organizou o 'Movimento em Prol do Teatro São Cristóvão', que entre outras coisas tenta chamar atenção da sociedade civil para pressionar o poder público em prol da restauração do teatro. 'Queremos que o espaço volte a abrigar manifestações culturais', defende Ester Sá, ligada ao Movimento dos Pássaros Juninos. Nesse sentido, o movimento já organizou de arrastão a abaixo assinado.
Erguido ainda na década de 1930 e fechado há mais de 10 anos, a recuperação do teatro São Cristóvão ainda parece longe de acontecer. Através da Fundação Cultural do Município de Belém (Fumbel), o poder municipal alega ter tombado apenas a parte da frente do imóvel, onde funcionava a sede da associação. A parte posterior, que abrigava o teatro, ainda está em processo de tombamento por parte do Governo do Estado, mas ainda não se sabe quanto tempo vai levar até que o imóvel seja considerado tombado. Para piorar, de acordo com o DPHAC, o tombamento não garante a restauração por parte do poder público estadual já que o imóvel é de propriedade privada. 'Mas aumenta o poder de barganha dos proprietários para conseguir financiamento junto a instituições como o Ministério da Cultura, por exemplo', explicou Cláudia Nascimento. Não é o que querem os integrantes do movimento em prol do São Cristóvão. Eles lutam pela desapropriação do espaço, o que permitiria uma tentativa de recuperar o que ainda resta entre os escombros do teatro.
Para os que lutam pela preservação do patrimônio histórico, cultural e arquitetônico da cidade, fica a torcida para que tanto o São Cristóvão quanto a Casa do Poeta, entre tantos outros casarões de reconhecida importância histórica, possam ser socorridos a tempo por projetos como o que está restaurando o antigo Solar do Barão de Guajará, onde funciona a sede do Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP). Tombado em nível federal desde 1950 e, posteriormente, também pelo município, o solar passou muitos anos abandonado, época em que perdeu parte dos azulejos portugueses do século XIX que decoravam sua fachada. Esse ano, finalmente, a sede do IHGP foi contemplada com recursos do Programa Monumenta, projeto do Ministério da Cultura, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Entre recursos do Monumenta e da prefeitura serão investidos quase R$ 1,5 milhão na recuperação do prédio até novembro.